quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O Salto.

As hipóteses de Salazar. "Dar o salto" para fora de Portugal.
Um video com "tanta história"...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Burguesia no Estoril.




Futurismo no início sec. XX


"No campo das letras, António Ferro foi sem dúvida o maior entusiasta desta forma de música e de todo o processo social nela integrado. Ferro foi mais do que isso: foi um verdadeiro apreciador de jazz, coleccionador de discos e, sempre que podia, assistia a concertos em Paris ou nos Estados Unidos, com os músicos mais importantes da época. Os seus livros A Idade do Jazz-Band, Novo Mundo Mundo Novo e Praça da Concórdia são permanentemente tocados pela música e pelos sentimentos que esta traz ao autor e aos ambientes vividos.
Almada, como artista literário, também retrata, no seu romance Nome de Guerra, a vida de boémia das noites dos clubes de Lisboa. Reynaldo Ferreira, o célebre “Repórter X”, escreve o livro A Virgem Do Bristol Clube e centenas de artigos que envolvem a vida nos clubes com o jogo e a corrupção, não esquecendo as drogas da época: a cocaína e a morfina. As grandes notícias dos jornais eram os assaltos nos próprios clubes ou nas suas imediações por bandos organizados. Mário Domingues escreve em 1929 o romance O Preto do Charleston que reflecte a sua experiência como porteiro do Clube Ritz.
A música em si estava completamente dominada pelas Jazz-Bands, que até já ofereciam os seus serviços em anúncios de jornal, para os organizadores de bailes nas colectividades e festas particulares. Também por essa época aparecem os primeiros espectáculos de negros americanos em Lisboa.

(...)Cabem as mulheres, as mulheres improvisadas pelo próprio Jazz-Band, mulheres onde a cabeça, o tronco e os membros, somam três corpos... Cabem os homens que cabem sempre onde cabem as mulheres... Cabe toda a Arte, a arte de hoje que chora, que grita, que ri, que sabe beijar, que sabe vibrar, que sabe morder... E cabe a própria Vida, a vida industrial que é um Jazz-Band de roldanas, de guindastes e motores, a vida comercial que é um sud-express, a vida intelectual onde as palavras pensam por si... (...)
António Ferro, A Idade do Jazz-Band, 1922.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Anos 20 em Lisboa.


"Lisboa não escapou aos 'roaring twenties': o jazz invadiu todas as salas de dança, onde as 'jazz-bands' enlouqueciam os dançarinos com os 'charlestons', 'stomps', 'shuffles', 'fox-trots', 'fox-blues'.
A valsa, sobretudo, foi completamente destronada por esta forma de música sincopada e tocada de forma a contagiar o ritmo a toda a gente que a ouvisse.
Mesmo um só piano podia pôr uma festa a pular o 'charleston' ou os pares a flutuar num 'fox' bem marcado.
Apenas o tango sobreviveu, de parceria com a nova música que tinha tido origens em Nova- Orleães.A cultura social dos anos vinte era a de viver intensamente e gozar tudo o que a vida podia proporcionar, o mais rápido possível. Não esqueçamos que o modernismo e o 'avant-gard', em todas as artes, surgiram também em Portugal, com centro na capital.Lisboa foi uma verdadeira 'terra de perdição', nessa época de revoluções, de permanentes mudanças de governos e de grandes movimentos artísticos, de homens de letras e artes que ainda hoje não foram esquecidos, pois fizeram a história da arte moderna no nosso país.A par de todo este movimento artístico desenvolveram-se em Lisboa grandes clubes nocturnos, com jogo, mulheres, grandes banquetes. Neles imperava o jazz da época, selvagem, rouco e ensurdecedor. Todos tinham 'jazz- bands', cantoras e cantores, e a grande maioria exibia 'shows' em palco, com bailarinas e números eróticos.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

domingo, 27 de janeiro de 2008

Enquanto Salazar dormia...


Este livro de Domingos Amaral (eu já li) é, talvez, o retrato mais actual daquela época. Quem puder não deixe de o ler...
Para os milhares de europeus em fuga devido à II Guerra Mundial, Portugal era um país mítico. O único destino possível. Estava em paz, era barato, cercado pelo Atlântico, era a ponte ideal para o Novo Mundo, os Estados Unidos da América. Dentro de Portugal, a Costa do Estoril foi o local mais procurado e abrigou personalidades europeias, realeza e artistas carismáticos.


Tal como para Ilsa no filme Casablanca, que apanha um avião no meio das brumas em direcção a Lisboa, para os milhares de europeus em fuga devido à II Guerra Mundial, Portugal era um país mítico. O único destino possível. Estava em paz, era barato, e cercado pelo Atlântico, era a ponte ideal para o Novo Mundo, os Estados Unidos da América. Dentro de Portugal, a Costa do Estoril era o local mais procurado. Fausto Figueiredo, um empresário visionário, tinha criado a Riviera portuguesa em 1935, e conseguira espalhar o charme deste pequeno pedaço de território português por toda a Europa. Praias, hotéis de luxo, casino, espectáculos... além de paz, segurança e tranquilidade. Não admira que os europeus empurrados pelo terror da guerra começassem a chegar em massa ao Estoril, a partir de 1939. Entre este ano e 1946 fixaram-se ou passaram pela Costa do Sol mais de 20 mil estrangeiros, segundo a Divisão de Segurança Pública da Câmara Municipal de Cascais. Exilados, chegaram reis, rainhas, princesas e duquesas. Com o estatuto de refugiados, escritores, pintores, realizadores de cinema, e todos os anónimos em busca de um canto pacífico e de um local de passagem seguro para recomeçarem a sua vida na terra prometida. A acompanhar todo este êxodo, a habitual escolta de jornalistas, espiões, diplomatas e polícias, em busca de notícias e informações. A "Linha" virou um local cosmopolita, movimentado e com muito charme, acima de tudo porque a guerra passava a ser um acontecimento longínquo. Para dar só um exemplo, o Sud Express, o comboio que ligava Paris a Lisboa, fazia escala final no Estoril, tendo Cascais inaugurado a sua estação ferroviária em 1946, altura em que se davam os últimos retoques à Estrada Marginal.
As famílias reais e os nobres da Europa não ficavam em hotéis. Procuravam mansões existentes nas encostas do Monte Estoril, do Estoril, ou de Cascais e aí fixavam residência. Carlota do Luxemburgo e a sua família chegaram logo em Junho de 1940, instalando-se na vila de Santa Maria, no Estoril. A grã-duquesa tencionava ficar por pouco tempo, mas por razões políticas acabou por permanecer vários anos em casa da família Posser de Andrade.
Também em Junho chegou um dos mais trágicos casais da realeza britânica, Eduardo de Windsor e Wallis Simpson, mulher por quem Eduardo abdicou do trono. O casal, que passou algum tempo em casa da família Espírito Santo e esteve hospedado no Hotel Atlântico, no Estoril, construído num rochedo a umas escassas dezenas de metros do oceano, viveu em Portugal episódios totalmente rocambolescos. O hotel, na altura, era dominado pelos alemães, que utilizavam a sua privilegiada posição geográfica para controlar o tráfego naval no mar. Quanto à trama que envolveu Eduardo, a história ainda hoje é pouco conhecida, mas sabe-se que um agente do III Reich, Walter Schellenberg, juntamente com o japonês Kijuro Suzuki, tentaram aliciar Eduardo, na vetusta sala de jogo do Atlântico, para uma caçada em Espanha, para concretizarem o objectivo de raptar o príncipe, transportando-o posteriormente para Berlim. No entanto, os ingleses, bastante activos a nível de espionagem, tomaram conhecimento do plano, e anteciparam-se, enviando o herdeiro do trono inglês para as Bahamas. O paquete britânico Excalibur veio de propósito a Lisboa para levar Eduardo para o exílio dourado. Também Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português em Bordéus que deu o visto a milhares de judeus - o que o regime salazarista nunca perdoou -, conseguiu dar a liberdade a algumas figuras reais europeias. Otto e José de Habsburgo-Lottringen, arquiduques da Aústria-Hungria, receberam o seu visto em Bordéus, juntamente com os banqueiros Rotschild, que eram procurados pelos nazis. Otto permaneceu pouco mais de duas semanas no Estoril, tendo obtido rapidamente visto para a América, mas José ficou para sempre. Inicialmente, os Habsburgos foram acolhidos por Maria Benedita D'Oriol Pena, mas acabaram por comprar casa em Carcavelos, no Casal da Serra. Durante a permanência dos Habsburgos, o regime nazi tentou por várias vezes obter a sua extradição, mas Salazar nunca consentiu.
Em Maio de 1941, quando se dá no Estoril o homicídio da inglesa Mabel Prince, crime que nunca foi resolvido, chega o rei Carol II da Roménia, que comprou uma casinha discreta no Estoril, a Mar e Sol. O único pormenor excêntrico foi o enorme cofre que Carol mandou construir no seu quarto, para guardar as jóias do seu reino e alguns documentos importantes. Após a morte do rei, em 1953, a sua amante, a bailarina Magda Lupescu, tentou vender todas as jóias, mas o governo romeno interveio imediatamente. A disputa quase deu origem a um incidente diplomático, e os romenos só conseguiram reaver a Coroa Real. As restantes jóias, documentos e obras de arte foram transportados para o Reino Unido, tendo sido leiloados na Sotheby's. O mais discreto membro da realeza europeia acolhido no Estoril foi a princesa Joana da Bulgária, que chegou no fim da década de 40. Joana ainda hoje vive isolada na sua casa do Estoril, saindo apenas para eventos de caridade. Dela apenas se sabe que chegou ao Estoril quase sem nada.
Também discretamente, mas altamente respeitados e acarinhados por tudo o que era "gente de bem" da Linha, viveram no Estoril, na Vila La Giralda, a partir de 1946, Don Juan de Battenberg e Bórbon, conde de Barcelona, e o seu filho Juan Carlos, que viria a recuperar o trono real de Espanha, após a queda de Franco. Juan Carlos estudou no Estoril, e o seu pai, cujo grande prazer na vida era velejar, mas que apesar disso teve bastante tempo para promover várias reuniões com monárquicos espanhóis para recuperar a Coroa real castelhana, tinha em tão grande consideração o acolhimento dispensado pelos portugueses, que chegou um dia a dizer: "Nunca abandonarei nos maus momentos o país que me acolheu nas boas horas."Humberto II de Itália chega ao exílio em 1946, deixando para trás um país em escombros, e adquiriu uma imponente casa em Cascais. O rei foi uma das presenças estrangeiras mais visíveis para as gentes da zona, tendo participado numa série de iniciativas de caridade. Um dos seus primeiros actos em Portugal foi uma visita à colónia balnear de "O Século", em S. Pedro do Estoril, onde se alojavam crianças refugiadas, na sua maior parte judias. Por outro lado, o rei entrou rapidamente no circuito de luxo do Estoril, sendo presença assídua em festas e outros eventos. Tal como todos os outros exilados de sangue azul ou fortuna, Humberto, que diariamente assistia à missa, tirou alto partido da indústria de hotelaria e lazer da Linha, que sofreu um boom fortíssimo na altura. O mar e a praia eram o pano de fundo permanente, tendo o biquini sido introduzido nesta altura, perante um certo escândalo dos locais, ainda muito agarrados à cultura saloia. Ainda hoje se conta a história do almirante Horthy, regente da Hungria, que perdia todas as tardes no paredão Estoril-Cascais, a olhar para o mar. Um costume que ganhou tradição. A nível de hotéis, o must eram o Palácio, o Grande Hotel de Itália e o Albatroz. O Seteais na misteriosa Sintra. O Casino era o grande centro de atracção, principalmente porque promovia quase semanalmente grandiosos bailes, que rivalizavam com os do Palácio. A combater a hegemonia do Casino na vida nocturna, foi inaugurada nos anos 40 a discoteca Palm Beach, em Cascais, que oferecia a música de uma imponente orquestra. A nível de restaurantes, Muxaxo, Pé-Leve e Choupana davam cartas, acompanhados pelas pastelarias Faz-tudo e Casa Laura, em Cascais, e Garrett e Deck, no Estoril, que ainda hoje estão abertas. Intelectuais, escritores, realizadores de cinema e artistas eram também presença assídua na vida social do Estoril, nos anos da guerra. Max Ophuls chegou em 1941, juntamente com a família, e ficou na casa Bela Vista, no Estoril. No entanto, o homem que foi para Hollywood realizar vários filmes de sátira social, não ficou muito tempo na costa, tendo partido rapidamente para a América. O mesmo se passou com os seus camaradas de profissão Jean Renoir e René Clair, que andaram pelo Casino e pela praia durante a sua estada, mas na primeira oportunidade voaram para a terra prometida. Antoine de Saint-Exupéry, esse eterno vagabundo, autor de O Principezinho, chegou em 1940 e ficou bastante mais tempo, tendo conhecido toda a zona do Estoril e Sintra, e frequentando todos os locais que valia a pena frequentar, sempre com um pequeno bloco de notas no bolso. Saint-Exupéry começou por se alojar no Palácio, mas preferiu depois a intimidade de uma vivenda perto do Casino. Saint-Exupéry acabará também por partir para a os Estados Unidos, mas não sem antes cunhar Portugal numa expressão certeira: "O paraíso triste." Com ele cruzou-se o sociólogo romeno Mircea Eliade, que começará a escrever na Rua da Saudade, 13, em Cascais, o seu Tratado da História das Religiões. Maurice Maeterlinck, Nobel da Literatura, bem como o conhecido guru da economia, John Keynes, estiveram igualmente no Estoril na altura, mas a história ainda não recuperou os seus dias estorilenses.
No meio do oásis de paz e tranquilidade que o Estoril era na altura, aconteceram algumas tragédias. O campeão mundial de xadrez, o russo Alexander Alekhine, que só descia do seu quarto no Palácio para comer e jogar, suicidou-se numa manhã sem história. Leslie Howard, actor inglês, morreu a bordo de uma avião da BOAC que descolava de Cascais para novos destinos.Fervilhando de figuras e acontecimentos sociais, bem como de conjuras, num regime que atingia o seu expoente máximo em termos de totalitarismo, a Costa do Sol assistia ainda à presença de diversos agentes de espionagem, sempre de uma forma dissimulada. Worthus, o alemão que construiu o Hotel Atlântico, e que diversas vezes hasteou a bandeira nazi, era obviamente um deles. Tal como a alemã Emily Nolte, que fundou em 1939 a Escola Alemã na Vivenda Pilar, Estoril, palco de diversas operações de espionagem. José António Barreiros, no seu livro A Lusitânia dos espiões, dá-nos conta de casos como o do jugoslavo Dusko Popov que, operando no Casino, servia alemães e ingleses ao mesmo tempo. Agente duplo até ao final do conflito, Popov só chamaria as atenções sobre si uma vez, quando se envolveu numa cena de pugilato nos jardins do Casino com um agente alemão que o pretendia revistar, procurando informações sobre as actividades dos ingleses.
Um outro caso citado por Barreiros é o de Nubar Gulbenkian, filho de Calouste Gulbenkian, que trabalharia para o MI9, um dos departamentos de informação britânicos. Nudar seria encarregue de organizar as redes de passagem dos refugiados chegados a Lisboa via Espanha, que depois seriam transportados para Londres. Todos se vigiavam uns aos outros, e a PVDE, antecessora da PIDE, tentava vigiar portugueses e estrangeiros. Se todos estes casos e figuras são os mais sonantes, por representarem instituições e países, não se pode deixar de mencionar um outro tipo de exilados que chegaram à Costa do Estoril durante a II Guerra: os refugiados anónimos. Sem dinheiro, estatuto social ou político, chegavam aos montes a Vilar Formoso, a maioria de origem judaica, e com um visto passado por Aristides de Sousa Mendes ou por outros diplomatas que, obedecendo às leis do coração e contrariando as ordens de Salazar, davam-lhes o carimbo que simbolizava a vida e a esperança. Eram checos, polacos, alemães, austríacos, e fugiam da morte certa. Salazar, por diversas razões, nomeadamente de índole diplomática, tentava ao máximo evitar a sua entrada. No início, tentava-se separar os refugiados por nacionalidades, colocando-os em diversas zonas do país, mas o fluxo era de tal forma que depressa se desistiu desta estratégia. E, logicamente, o Estoril, até pela sua proximidade em relação a Lisboa, ponto fulcral de comunicações aéreas ou marítimas, era um dos locais preferidos. A Colónia Balnear de "O Século" foi um dos locais de refúgio de muitas crianças que puderam, assim, atingir a vida adulta.
Após o final do conflito, com a Europa em reconstrução, Portugal, e a Costa do Estoril em particular, deixa então de ser um palco fervilhante de acontecimentos. Mas os anos da guerra tinham deixado a sua marca para sempre, e muitos dos que pensavam ser esta zona apenas um local de passagem, tinham-na agora escolhido como local de permanência. Assim, não admira que as gentes de Cascais tenham assistido à pompa e circunstância que foi o casamento da princesa Maria Pia de Sabóia com o príncipe Alexandre da Jugoslávia, a 12 de Fevereiro de 1955.
Resquícios daquilo que Jaime Cortesão chamou, referindo-se ao Estoril, "Paços reais do exílio. Doce cativeiro da Babilónia".Por: José Vegar/Luís Villalobos - Revista V. - Julho 1999

Sud Express em video.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O Comboio do Tua - Homenagem do Sud Express


Um pouco de história (3ª parte)


Quase 20 anos mais tarde, o contexto português tinha mudado radicalmente. Para os jovens começava a desenhar-se a ameaça da guerra em África. Vasco de Castro, hoje caricaturista, com 72 anos, consegue embarcar “numa bela manhã de domingo de 1962”. Para trás ficava um autêntico jogo do gato e do rato com a autoridade militar e a obtenção de um passaporte válido por três meses conseguido com algum engenho e grande dose de imaginação. A viagem, recorda, “foi insuportável”. A 1 de Abril de 1971 – “o Dia das Mentiras!” – o jovem Artur Silva chega à Guarda, acompanhado de um amigo do bairro lisboeta da Ajuda. Ambos tinham sido chamados para a tropa, o que significava a ida para a guerra. Na cidade beirã transaccionavam-se autênticos planos de fuga. O bilhete para Paris que compraram ao dono de um café “incluía um táxi Guarda-Almeida”. As fronteiras eram, claro, passadas a pé. Em Fuentes de Oñoro, recorda, “pediram-nos cinco escudos por um salvo-conduto”. Num “ambiente estranho, dezenas de pessoas, mulheres e velhos de um lado, homens do outro”, os dois companheiros atravessaram “um túnel enorme, com o coração nas mãos”. De volta ao comboio, nem todos eram refractários. “Alguns tinham feito a guerra. Quando explicávamos ao que íamos, eles torciam o nariz”. Artur vive ainda em Paris. É jornalista. Depois do 25 de Abril ainda viajou no Sud-Express. Curiosamente, garante que o ambiente não era tão diferente como seria de esperar. Tinha fugido à tropa, continuava a ser um criminoso aos olhos do Estado. “Quando passávamos a fronteira em Vilar Formoso, perguntávamo-nos se o regime tinha mesmo mudado! Precisávamos de um passaporte militar”. Com os anos, diz o jornalista, “a qualidade do comboio também mudou. A CP passou a tratar-nos um pouco melhor”. Mas o Sud-Express continuou a ser “o comboio dos emigrantes”. Os viajantes fazem-se acompanhar de farnéis bem portugueses: quilos de bacalhau, sacos de couves e garrafões de vinho.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Ao meu avô (espanhol) Alvarez!


Destinos comuns

Durante muitos séculos vivemos de “costas voltadas” para Espanha. As razões prenderam-se, na maior parte das vezes, com a soberania que quisemos manter face ao desejo da “unidade” castelhana. O grande “enfoque” deste mesmo pensamento era transmitido de geração em geração a “todos nós” portugueses. Os 80 anos de domínio filipino culminado pela revolução de 1640 eram lições que aprendíamos ainda na escola primária. A “exaltação” da pátria tornou-se um “slogan” dos regimes monárquico e republicano. Países que em determinado período da história, as descobertas marítimas, “dividiram” entre si o mundo criaram rivalidades que hoje se tornaram “bacocas”... O século XX trouxe a aproximação dos dois povos por contingências diversas: - As duas Guerras Mundiais. - A Guerra Civil Espanhola. - A Emigração. - A Liberdade Politica. O “Sud Express” tornou-se um dos “caminhos” que ambos percorremos... nos dois sentidos. Levou-nos e trouxe-nos a Europa para lá dos Pirinéus...

Elogio do Sud Express - por Francisco José Viegas


Tudo isso aconteceu há muito tempo, quando eu viajava pela Europa de comboio. Tenho saudades dessas viagens, mas sei que não voltam. Eram outro tem­po, há muito tempo. Partíamos sem saber o destino final, havia um inter-rail no pa­pel e outro no coração. Não havia ro­mances de Verão, não havia namoros, não havia depressões, não havia interes­ses que se arrumassem ao canto - havia apenas viagens de Verão, o ronronar do comboio atravessando as paisagens noc­turnas de Espanha antes da madrugada no País Basco, quando atravessávamos a primeira luz de Vitória, antes de nos apro­ximarmos de Hendaye. Velho Sud Ex­press. Não há melancolia nenhuma nes­ta frase. Velho Sud Express sujo, chiando em todas as curvas, falando em luso-francês, atravessando as pontes, inclinado so­bre os rios, despertando memórias. E ve­lho Sud Express ainda onde se fumava nos corredores, se partilhava a comida com desconhecidos, se falava em línguas estranhas (com tantos erros de sintaxe quanto o entusiasmo em conhecer os companheiros de viagem), se liam romances que ficavam esquecidos ou se pas­savam ao passageiro mais próximo.
Tudo isso aconteceu há muito tempo, no tempo em que não conhecíamos ho­téis, nem restaurantes de «comida de fu­são» – igual em todo o lado –, nem lojas de roupa, nem sjx«, nem discotecas onde as bebidas são iguais - tudo igual em todo o lado -, nem ruídos de aeroporto ou viagens law-cost. Só havia esse ruído, o «tan-tan-tan» do Sud Express entre Santa Apolónia ou São Bento e Austerlitz, com mudança em Irún/Hendaye, sob a vigi­lância petulante dos gendarmes franceses, vistos do lado de cá da fronteira por carabineros de tricórnio e farda verde oliva.
Velho Sud Express (1877), museu vi­vo das viagens de adolescentes, quando não havia telemóveis e um telefonema para a família custava uma refeição a me­nos nos vinte e seis dias de viagem—a va­lidade do inter-rail. Entroncamento, Pampilhosa, Mangualde, Vila Franca das Naves, Vilar Formoso, Fuentes d'Oñoro, Salamaca, Medina dei Campo, Vitória, San Sebastian e Irún - e depois Dax, Biarritz, Bordéus, Paris Austerlitz. Dizem-me que a viagem, hoje, é cómoda a partir de Irún, com o TGV francês que che­ga a Paris Montparnasse. Não, não era cómoda a viagem, em carruagens quase históricas, gastas por anos de uso de emi­grações, exílios e viagens de Verão.
Aliás, vínhamos e íamos com os emi­grantes, íamos sozinhos, em grupo ou sem sentido, íamos com mapas, com indica­ções, com guias comprados com antece­dência de meses (estudados ao porme­nor), e também com algum receio de rapazes e raparigas do Sul da Europa que chegavam a Paris para ver o mundo. Eu preferia sair de Austerlitz e seguir logo pa­ra a Gare du Nord, de onde se saía para a Escandinávia, a Alemanha ou a Holan­da. Paris no regresso, só, para cumprir ro­teiro. Mas, no regresso, aquelas carrua­gens do Sud Express eram a nossa pequena pátria. Trazíamos livros, postais, uma T-shirt comprada em Copenhaga, um poster comprado num museu de Amesterdão, e também necessidade de banho, de uma refeição (tínhamos passa­do vários dias a comer bolachas, iogurtes, conservas, queijo e pães de ocasião).
Nós, os do inter-rail desses anos (setenta, oi­tenta), fomos cosmopolitas por acaso, ciosos do passaporte e dos guichets de ex-change money onde desconfiavam das nossas notas de mil ou cinco mil escudos, trocadas com solenidade e pavor, receo­sos das contas em florins, coroas, libras, francos ou marcos. O mundo, na verda­de — feitas bem as contas -, era mais difí­cil. Ligeiramente mais difícil com essas formalidades de fronteira, de câmbio de moeda e de controlo policial. Mas era o mundo. O mundo lá de fora, o mundo que fazia de nós cosmopolitas mal atra­vessávamos Fuentes de Oñoro a bordo do Sud Express. Velho e sujo Sud Express.
(in Outro Hemisfério - Revista Volta ao Mundo – Agosto 2007)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Filme espanhol sobre o Sud Express.


retirado de:
http://www.artpro.es/sudexpress/index.swf

Cartaz do Sud Express



















retirado de:

Sob Céus Estranhos.


A propósito da fuga para Portugal no tempo da II Guerra Mundial este livro e filme escrito por um luso descendente.



Sob Céus Estranhos
um filme de Daniel Blaufuksdoc. 57’, 2002.
Sinopse:
Quando passeio entre as campas do cemitério judaico em Lisboa, reconheço os nomes gravados na pedra, como se estivesse num cemitério de aldeia. Nos tempos da Segunda Guerra Mundial, Lisboa foi um corredor de passagem entre a Europa e as Américas para muitos refugiados. Das 50 mil a 200 mil pessoas que passaram por Lisboa nessa época, apenas cinquenta aqui ficaram. Entre elas encontravam-se os meus avós.
bio-filmografia
Daniel Blaufuks é um artista português de origem germânica que utiliza diferentes disciplinas artisticas como a fotografia ou o cinema, nos seus livros, encenações, exposições, ou instalações. Tem vindo a expor profusamente por toda a Europa e, entre outros, desenvolveu colaborações com o artista norte-americano Robert Wilson. A sua primeira ficção “Black & White” conquistou dois prémios para Melhor Curta-Metragem Portuguesa.


ficha técnica


texto e pesquisa Daniel Blaufuks
narrador Bruno Ganz (Daniel Blaufuks, Cristoph Eichhorn)
filmes de arquivo Eugen Schuftan
fotografias e filmes de família de Herbert August / Hans Leinung
fotografias de Daniel Blaufuks
montagem Pedro Duarte / Daniel Blaufuks (Catarina Mourão, Jody Shapiro)
consultora literária Christina Heine Teixeira
tradução João Barrento
direcção de produção Paula Oliveira
produtor Luís Correia
apoiado MC – ICAM / RTP
exibições e
2007 Fnac Chiado – Lançamento Livro “Sob Céus Estranhos”+ DVD (PT, 10 2003 Hot Docs – Toronto
2003 Jewish Film Festival Boston
2003 Rencontres Internat. du Documentaire de Montréal
2003 Goethe Institut New York (October)
2002 Festival Internacional Doc Lisboa

Um pouco de história (2ª parte)


Em 1914, contudo, a Primeira Guerra Mundial interrompe a circulação, retomada em 1921. A marcha, porém, tornou-se mais lenta devido às dificuldades decorrentes do conflito. A Guerra Civil de Espanha impõe novas restrições às ligações ferroviárias. Vivem-se tempos de crise na Europa e os comboios sofrem alterações constantes nos seus trajectos.De veículo privilegiado de cultura, o Sud-Express passa então a assegurar uma nova função: a de meio de fuga de cidadãos perseguidos rumo à liberdade. Ivette Davidoff tem hoje 86 anos e vive em Lisboa. Nascida no seio de uma família judaica de Viena, foge em Março de 1938 da capital austríaca e da ameaça nazi rumo a Paris, onde se instala com a mãe e o cão pincher. Aí vivem durante algum tempo com o tio paterno e a esposa deste. Porém, a 11 de Junho de 1940, são obrigados a partir de novo “no último Sud-Express que saía de Austerlitz” e que, devido à guerra, só seguia até Bordéus. “Era o pesadelo da partida”, recorda. “Passámos dois dias e duas noites na estação, até que o meu tio conseguiu um lugar num compartimento”. O comboio estava apinhado. “As pessoas amontoavam-se por todo o lado, até havia gente a viajar no tejadilho”. Durante dois anos, a família permanece em Pau, “na França livre, mais longe dos alemães”, onde pensava “poder esperar pelo fim da guerra, mas os alemães tinham tomado o Sul de França”. Mãe e filha são obrigadas a fugir novamente. Desta vez dirigem-se a Madrid. O tio e a tia ficam para trás. A capital espanhola está repleta de refugiados. “Era preciso seguir para Lisboa, onde havia amigos”. Mas não resta dinheiro suficiente às duas foragidas. É então que surge na vida de Ivette o ‘anjo’ que recordará para sempre, sob a forma de um funcionário da Wagons-Lits. “A minha mãe propôs-lhe um anel de brilhantes. Mas ele disse: ‘Não, senhora, não me vai dar nada. Vou dar-lhe um bilhete e um compartimento com cama’. Deu-nos também o jantar”. É assim que Ivette e a mãe desembarcam em Lisboa naquele longínquo ano de 1943, escapando ao campo de concentração que teria sido o seu destino. O homem que lhes salvou a vida quis ficar anónimo. Nunca mais o viu.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Porque o xadrez pode ser um jogo para relaxar

enquanto esperamos pelo próximo comboio...

(enviado por um amigo)

Um pouco de história. (1ª parte)




Nos anos 20 o Sud Express, vindo de Paris, tinha paragem na estação do Estoril onde chegavam reis, nobres e milionários da Europa que aqui encontravam refúgio de descanso e lazer. Deixaram a sua marca em moradias apalaçadas e no ambiente de glamour que ainda se pode observar. O Sud-Express ligava Paris e Lisboa, trazendo para Portugal a cultura e o glamour vindos da Europa ‘civilizada’. Durante os anos que se seguiram, o Sud-Express serviu de mediador entre Portugal e o chamado mundo civilizado. O paraíso à beira-mar plantado já padecia do seu atraso crónico e o luxuoso comboio vinha de certo modo colmatá-lo, ‘ma non troppo’: “As modas de Paris chegam-nos, sempre atrasadas, pelo Sud-Express”, comentava às tantas o atento Eça. Por essa altura já teria sido inaugurada a Estação do Rossio e a construção vizinha, o imponente Avenida-Palace. O Sud passa a desembocar no neomanuelino terminal e os passageiros clientes do hotel usufruem de uma vantagem inédita: em vez de se dirigirem para a saída, descendo os vários lanços de escadas até à rua, dispõem de uma passagem directa para o interior do Palace. Um ‘must’.

Porquê “Sud Express”?


Várias são as razões que me levaram a escolher este nome para o meu “blog”.
Primeiro - Adoro andar de comboio.
Segundo - O desejo que tenho em viajar dentro e fora de mim...
Terceiro – O “Sud Express” permitiu que a Europa viesse até Portugal (porque foi refúgio para muitos) e permitiu-nos que nós (portugueses) procurássemos, noutras paragens, o que em determinada altura não tínhamos... Pão e Liberdade!
Quarto – porque vos quero convidar a participar nesta “viagem” sem rumo... e com muitos “apeadeiros” pelo caminho.

Bem vindos a bordo!...